O trecho paulista da Hidrovia Tietê-Paraná, a principal do Estado, deverá dobrar sua movimentação de cargas com destino ao Porto de Santos em 2017 e atingir 6,1 milhões de toneladas. A projeção é do Departamento Hidroviário (DH) ao comparar os números deste ano, quando a navegação foi retomada após mais de 20 meses de estiagem.
Até novembro, a hidrovia movimentou 7,5 milhões de toneladas de carga no total (incluindo o trecho paraense) batendo o recorde histórico. Em 2013, o último período em que as operações ocorreram normalmente, foram totalizadas 6,3 milhões de toneladas transportadas. Os números atuais são o dobro do que era registrado em 2006.
Para este ano, a projeção do DH para o trecho paulista é de 6,1 milhões de toneladas de cargas (milho, soja e cana, principalmente) e 1 milhão de tonelada de areia. No último ano, até novembro, foram 2,9 milhões de toneladas transportadas. A Administração da Hidrovia do Paraná (Ahrana) não divulgou a previsão dos números.
Para o diretor do DH, Jairo de Almeida Machado Jr., as projeções na movimentação da hidrovia em São Paulo devem-se, principalmente, à recuperação do nível do reservatório de Três Irmãos (em Pereira Barreto). Trata-se do trecho crítico que impediu a navegabilidade da via entre 2014 e 2015, comprometendo, segundo ele, a confiabilidade do sistema.
Estiagem
A suspensão do tráfego de embarcações ocorreu a partir da estiagem, que diretamente evidenciou dois problemas. Um deles é a demanda do setor energético. Segundo o DH, a água que havia ali teve que ser destinada à geração de energia na hidroelétrica da região. A legislação, hoje, prioriza a utilização do recurso hídrico para a eletricidade.
O outro, sob responsabilidade do Estado, corresponde aos entraves estruturais de Nova Avanhadava, que fica abaixo do reservatório. A existência de rochas submersas diminuiu ainda mais o calado operacional (profundidade de navegação) do rio, que já estava com os níveis reduzidos com a falta de chuva que afetou o Estado.
IPT deve concluir estudo de hidroanel
O Departamento Hidroviário de São Paulo espera receber nas próximas semanas o resultado de um estudo de interesses privados para a utilização do hidroanel (anel hidroviário) da Região Metropolitana. Os trabalhos são desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e são considerados decisivos para a implantação da iniciativa.
O anel também é chamado de Hidrovia Metropolitana. Trata-se de um projeto que contempla a estruturação de uma via navegável no entorno da Capital e que interliga os rios Tietê e Pinheiros, e um canal artificial ligando as represas Billings e Taiçupeba. Ao todo, são 170 quilômetros de hidrovia urbana para o transporte de cargas.
Os estudos de pré-viabilidade do DH, que anteciparam o que vai ser entregue pelo IPT em janeiro, avaliaram que o empreendimento serviria para atender a demanda local da Grande SP. Estima-se que poderá ser reduzido em 400 milhões de Km/h o tráfego rodoviário para transporte de sedimentos, entulho, material de escavação e resíduos.
Para que a interligação tenha um formato de anel, semelhante ao que se propõe ao Rodoanel (anel viário) e ao Ferroanel (anel ferroviário) será preciso a implantação de eclusas para nivelar a navegação. Há, ainda, a necessidade de instalar terminais multimodais capazes de movimentar, embarcar e desembarcar as cargas.
De acordo com o Estado, o relatório do IPT está em fase de revisão final. Ele foi iniciado em 2012 e avalia a viabilidade da iniciativa privada em utilizar a infraestrutura da primeira etapa: rios Tietê e Pinheiros, da barragem de Edgard de Souza a São Miguel Paulista e da Estrutura do Retiro de Pedreira, no sentido da Represa Billings.
O que o departamento tem certeza, até o momento, é que o hidroanel ainda não despertou interesse em potencial de usuários e de desenvolvimento de negócios que atuem no fluxo de cargas com origem ou destinação ao Porto de Santos. Trata-se, portanto, de um empreendimento regional, mas não descarta-se mudança de perfil no futuro.
O DH explica que os estudos de pré-viabilidade foram desenvolvidos a nível conceitual. Isto, ainda não existe um projeto de execução desenvolvido para obras e intervenções no empreendimento, tampouco cronograma para implantação de fases. O valor estimado do investimento, inclusive, não foi divulgado pelo Estado.
Modal hidroviário é caminho sem volta
O consultor, Frederico Bussinger, do Instituto de Desenvolvimento, Logística, Transporte e Meio Ambiente (Idelt), fala que a melhor gestão do uso múltiplo das águas brasileiras poderia alavancar a utilização de hidrovias no País. Em paralelo, ele avalia que o modal atualmente consolida a confiança ao mercado ao ser o que mais cresce anualmente.
Para Bussinger, o desenvolvimento do modal hidroviário no País, principalmente no Estado de São Paulo, é um caminho sem volta e deve ser tratado como prioridade. Ao afirmar isso, ele leva em consideração o Acordo de Paris, em vigor desde 2015, que estabelece ações sustentáveis para conter as mudanças climáticas em todo o planeta.
“O acordo é um estímulo adicional para nós e para todo mundo. Ele, no trocadilho, joga água no modal hidroviário, já que entre os compromissos está o de reduzir a emissão de particulados que afetam a saúde das pessoas em áreas urbanas e outra regiões, diz. Ele lembra que transportar em hidrovia é menos poluente, mais barato e menos danoso.
Não por acaso, avalia o consultor, o crescimento na utilização do modal no Estado esteve na média de 11% até, pelo menos, 2014 em um intervalo de uma década. Trata-se da maior taxa entre os demais modais (rodoviário, ferroviário, dutoviário, por exemplo), cujo crescimento se manteve abaixo de dois dígitos no mesmo período.
A crescente somente foi interrompida pela estiagem registrada nos últimos dois anos em São Paulo. Foi quando a Hidrovia Tietê-Paraná, a principal do Estado, teve as atividades paralisadas, total e parcialmente, por um intervalo de aproximadamente 20 meses. As operações só foram retomadas em 27 de janeiro deste ano.
“A estiagem, em si, não foi o problema. A prioridade à utilização da água do rio para a produção de energia é que comprometeu a hidrovia, cuja quantidade de água impossibilitou a passagem de embarcações”, critica. Para ele, isto evidencia ausência de um planejamento “mais efetivo” para a utilização dos recursos hídricos disponíveis.
Bussinger defende maior diálogo entre os interlocutores em situações de crise como a que foi registrada e impediu as operações em trechos da principal hidrovia do Estado. “Se o preceito básico é de ‘uso múltiplo das águas’, por que a estratégia, planejamento e o processo decisório não são plurais, envolvendo todos os entes?”, indaga.
Hidroanel
O consultor do Idelt, que também já esteve a frente do Departamento Hidroviário de São Paulo, defende a construção do anel hidroviário da região metropolitana. Ele avalia que o desenvolvimento do projeto está lento, mas não paralisado, e acredita que se efetivado poderá ser um importante aliado para desafogar gargalos na metrópole.
Ele acredita que o empreendimento, quando consolidado, poderá colaborar com o escoamento de carga para o cais santista a partir da interligação a terminais multimodais e a hidrovia Tietê-Paraná. “Inicialmente, é uma obra local importante e que vai ajudar São Paulo. Depois, ela poderá beneficiar, sim, o porto com a integração logística”.
Fonte: A Tribuna On-line – 16/1/2017